MEN, MACHINES, AND THE WORLD ABOUT (Norbert Wiener) // THE CONSTRUCTION OF CHANGE (Roy Ascott)
Na segunda metade do século XX, onde permanecia a ideia e o sonho de um mundo cada vez melhor, trazido ao público pela engenhosidade humana, assistiu-se a um processo sem precedentes de mudanças na história do pensamento e da técnica. Juntamente com acelerações avassaladoras nas tecnologias de comunicação, artes, materiais e genética, ocorreram mudanças paradigmáticas no modo de se pensar a sociedade e as suas instituições.
Como faz referência Roy Ascott [1] em “The Construction of Change”, a participação do meio artístico na sociedade até então era vista como um envolvimento intelectual e comportamental, assim como a sua interacção como uma simulação, por parte do artista, de uma interacção entre obra e espectador.
Com o avançar do tempo e da tecnologia, tudo o que se conhecia até então passa a ser gerido pela máquina. Confinados ao ensaio de Norbert Wiener [2] “Men, Machines, and the World About”, verificamos que nesta mudança o homem confronta-se com uma nova revolução industrial que substitui a força humana pela máquina, onde conceitos como comunicação e controlo passam a tornar-se sinónimos de interactividade. O homem torna-se então fascinado por um Deus máquina.
Desde então que conceitos do mundo artístico foram alterados. A fusão da arte com a ciência (tecnologia e new media) altera a visão do que é a arte enquanto participante integradora de uma sociedade em crescente transformação. E como faz menção Frank Popper [3] em “Art of the Electronic Age”, a participação da arte passa a ser considerada como uma relação entre espectador e obra de arte aberta, e a sua interacção como uma via de inter-relação entre um indivíduo e um sistema de inteligência artificial.
Playtime, Jacques Tati, 1967
Num cenário futurista de Paris e com um elenco entre turistas e um homem que se opõe à tecnologia, Jacques Tati, no seu filme “Playtime” retracta de forma evidente este avanço avassalador que o mundo enfrenta. Numa análise perfeitamente cumprida da cidade moderna, o realizador e actor critica a cidade que vive de forma acelerada, numa obsessão por tudo o que é moderno e tecnológico, sempre à procura de novos objectos que prometem uma vida mais prática mas que no fundo não passam de ilustrações de comodismo, e onde tudo acaba por se tornar idêntico e estático.
Num jogo constante sobre controlo e progresso, Norbert Wiener vai de encontro com este filme e a ideia transmitida nele, e fala sobre um novo campo da ciência, ao qual definiu como cibernética. Este novo termo foi definido como o estudo de sistemas mecânicos e electrónicos de controlo destinados a substituir funções realizadas por seres humanos.
O autor descreve de que forma, enquanto cientista cibernético, se interessou pelo problema homem/máquina, estabelecendo uma constante comparação entre ambos. Acabamos mesmo por nos imaginar como máquinas fabricadas por engenheiros quando Wiener cria uma relação e encontra parecenças entre o nosso sistema nervoso, um feedback necessário à própria vida e as máquinas computorizadas. Aqui ele diz que existe um sentido de interactividade comum aos dois, uma acção e uma resposta.
Mas apesar de todo o fascínio existe uma responsabilidade sobre as consequências deste jogo científico que nos quer transmitir. Embora um sistema computorizado poder economizar mais tempo por meio da automação, este sistema pode revelar-se um fracasso e tornar-se, portanto, potencialmente prejudicial à humanidade.
Não longe desta ideia mas num outro ângulo, Roy Ascott coloca esta evolução científica numa perspectiva de fusão entre arte e ciência. Começa por afirmar que toda a criatividade deve ser entendida como didáctica, que é através do seu trabalho que o artista aprende a entender a sua existência, e que deve estar atento a todas as mudanças por parte da ciência e tecnologia, “The artist’s moral responsibility demands that he should attempt to understand these changes”[4]. Só desta forma acredita numa interacção positiva.
O autor acrescenta que existe uma relação entre conhecimento e percepção, e que uma investigação coerente e profunda pode levar à formação de uma disciplina. E para se orientar plenamente no mundo moderno, o artista deve voltar-se para a ciência/ cibernética como uma referência e ferramenta de forma a moldar o mundo à sua vontade e direccionar a sociedade numa direcção, embora sem poder prático, que a faça compreender a necessidade de um pensamento próprio.
No texto de Ascott apercebemo-nos do real papel do artista na sociedade, de como a cultura regula e molda a sociedade e de como o artista é a voz da relação entre criatividade e pedagogia. Aberto a um mundo que se encontra em plena transformação, o artista tem a função de contribuir para uma mudança, pois como o autor menciona, toda a arte é de certa forma didáctica. “Through culture it informs, art becomes a force for change in society. It seems to me that one should be highly conscious of the didactic and social role of one’s art today.”[5]
Confrontados constantemente com um discurso máquina/homem, a relação que vejo entre ambos os textos é o de empregar ao artista e à sua arte um papel de meditativos das mudanças exercidas pela ciência e pela tecnologia na comunidade, onde este ao estar atento às transformações constrói uma investigação e reconstrução do comportamento a ter, apelando e alertando a restante comunidade acerca daquilo que é necessário fazer.
Pós-modernidade – Barbara Kruger, You Are Not Yourself, 1984. Foto, Colagem, 182.9 x 121.9 cm. Mary Boone Gallery, NY [6]
Numa tentativa constante de marcar o mundo com uma tecnologia criada por nós, e torná-la invulnerável, estamos a tornarmo-nos cegos por uma mudança sem precedentes na condição humana. Nesta perspectiva creio que tanto Jacques Tati acima referido como Barbara Kruger, que aparece agora com uma estética da vida quotidiana e o triunfo do signo retractando a dependência da produção ao consumo sob a forma de marketing, parecem-me estar a enunciar um sinal de mudança, onde é essencial não nos esquecermos de deixar uma marca da nossa presença para trás.
A globalização chegou, mas o que ela prevê permanece incerto. Sendo dentro da ciência ou da arte, como afirmou Norbert Wiener, é necessário interagir e compreender a máquina, “If we want to live with the machine, we must understand the machine, we must not worship the machine“ [7].